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Transtorno do Pânico -
Relato de um Caso
Para o presente trabalho, baseamo-nos em um único caso. Trata-se de uma pessoa do sexo feminino, que doravante chamaremos de MARIA; atualmente contando 61 anos de idade, profissional do lar, teve um único casamento do qual nasceram dois filhos: um menino e uma menina que perdura até a presente data. À semelhança do caso descrito por Judith Beck (1997) MARIA também demonstrou ser uma paciente-modelo em muitos aspectos: tem ótimo nível sociocultural; aderiu de forma ímpar ao tratamento proposto; demonstrou envolvimento, responsabilidade e dedicação tanto nas sessões como nas tarefas propostas para serem feitas em casa ou no período que antecedia as sessões de psicoterapia e foi colaborativa até a última sessão. Um outro aspecto torna este caso particularmente interessante: a paciente vinha apresentando Ataques de Pânico com Sintomas Limitados há 44 anos, com remissão apenas parcial após os vários tratamentos a que se submeteu; quadro que, pouco tempo depois de receber alta, alguns meses, segundo seu relato desaparecia; o que, ao longo do tempo evoluiu para Agorafobia. Observou-se que, nesse período, aprendeu e condicionou involuntariamente uma série de comportamentos disfuncionais (maus-hábitos), também seqüelas dos tratamentos anteriores. Mas, no nosso entendimento, mais relevante que a observação anterior, foi à constatação de que, nessa verdadeira "maratona" de tratamentos a paciente acabou por incorporar o próprio tratamento (a psicoterapia ou visitas a médicos) à sua rotina diária. Desenvolveu desse modo uma espécie de patologia, que, para não denominar "hospitalismo" - termo que julgamos inadequado, pois o contexto onde se davam os tratamentos não eram somente hospitais ou clínicas - poderíamos chamar MARIA de uma pessoa "terapêutico-dependente", a semelhança dos termos que utilizamos na drogadicção. Relatou que sofreu seu primeiro ataque de pânico de forma inesperada ao sair de casa quando contava com 18 anos de idade. Daí iniciou uma longa seqüência de visitas a vários médicos de diversas especialidades sem resultados satisfatórios: sua patologia evoluiu para episódios esporádicos de Ataques de Pânico e daí para a Agorafobia. Como foi dito, desde então MARIA veio sendo acompanhada por diversos profissionais da área de saúde - médicos, psicólogos e psicoterapeutas - de diversos serviços, ora com períodos de intensa dedicação e forte aderência ora com períodos de desilusão e abandono dos tratamentos, frutos de inúmeras tentativas de sua busca incessante para, primeiramente ter certeza, saber realmente qual era o mal que a afligia e, segundamente, buscar uma forma eficaz de cura ou, pelo menos, tratamento. Ao nosso Serviço foi encaminhada por solicitação de um hospital-escola, um dos ambulatórios que havia procurado logo após ter lido em uma revista leiga, uma matéria jornalística que versava sobre saúde mental, em particular sobre ansiedade. Ingressou naquele Serviço em1986. Com interrupções, por este ambulatório foi tratada medicamentosamente e / ou com psicoterapia até 2005. Quando este ambulatório optou pela suspensão do tratamento dispensado à paciente que, naquela ocasião, apresentava certa melhora, porém ainda sem apresentar remissão completa dos sintomas da queixa inicial qual seja medo de sair de casa desacompanhada. No entanto apresentava sinais e sintomas de insegurança caso não fosse acompanhada por algum tipo de tratamento médico ou psicológico. À semelhança da drogadicção, havia desenvolvido uma dependência psicológica de tratamentos médicos e, principalmente psicológicos. Em nosso Serviço, o motivo primeiro do atendimento de MARIA foi o acolhimento da solicitação que partiu da outra instituição a qual, pareceu-nos, ter se percebido impossibilitada de dar continuidade neste caso por razões que não caberiam aqui ser citadas. MARIA relatou que, desde o nascimento até os 18 anos de idade, não percebeu nenhum sinal de ansiedade fora dos padrões considerados normais. Como foi dito anteriormente, teve o primeiro ataque de ansiedade percebido como disfunção teria ocorrido em 1963, aos 18 anos de idade, de modo inesperado. Nesta ocasião, procurou o médico da família, um clínico geral, que sentenciou: "- O problema é o seu filho." (sic). prescreveu passiflora. Segundo a paciente, conviveu com o problema desde então com vários ataques de ansiedade leves. Gradativamente, foi restringindo suas atividades diárias (chegou a ficar mais ou menos 20 anos sem ir ao cinema), pois necessitava da presença de outras pessoas para sentir-se segura: Chegou a proferir a clássica frase: "-Eu tinha medo de ter medo." (sic). Relatou que, em 1977, quando contava 32 anos de idade, ocorreu um ataque de pânico de intensidade que classificou entre moderada e grave. Procurou um médico neurologista, que, após verificar que os resultados dos exames por ele solicitados eram todos negativos, disse: "-Você não tem nada. Vá ver vitrines." (sic) fala que se tornou um marco de iatrogenia que permeou todos os tratamentos seguintes, relatou MARIA; este médico não referiu nenhuma medicação. Quando atingiu 33 anos, em 1978, contou V que estava desesperançada; sentia-se incompreendida pelos médicos, pelos familiares e, principalmente, pelo marido. Nesta época já não mais conseguia sair na rua sozinha. Quando contava com 41 anos, em 1986, através de informações trazidas por sua filha, que acabara de ingressar na Graduação de Fisioterapia de um Hospital-escola da cidade de São Paulo. Passou a ser acompanhada pelo Serviço de Psiquiatria desse mesmo complexo hospitalar, onde foi medicada com Cloridrato de Imipramina, 50 mg/dia e submeteu-se a sessões de psicoterapia (dessensibilização sistemática?). Mais adiante passou a fazer sessões semanais de varias abordagens psicoterapêuticas, incluindo um protocolo de pesquisa desenvolvido naquela instituição, tratamento no qual chegou a tomar placebo, segundo seu relato. Ao final de cada tratamento, pouco tempo depois iniciava outro, de forma que MARIA viria a ser acompanhada ambulatorialmente durante 07 anos. Ansiedade A ansiedade é uma sensação que pode ser considerada simplesmente como um sinal de alerta (ansiedade normal) ou um quadro patológico (transtorno de ansiedade). Pode ser entendida como um alarme que denuncia uma ameaça interna - uma doença, p. ex. - ou externa - uma fera ameaçadora, p.ex. - tendo qualidades de preservação da vida. Em um nível mais profundo do psiquismo humano, a ansiedade pode ser considerada como um alerta quanto à possibilidade de lesões corporais, dor, impotência, possíveis punições ou frustração de necessidades sociais e/ou corporais, de separação de pessoas amadas (ou percebidas como de importância vital) uma ameaça ao sucesso ou ao status e, em última análise, de ameaças à própria unidade ou integridade do indivíduo. Distinção entre Medo e Ansiedade A distinção entre medo e ansiedade é psicologicamente justificável: a resposta de ansiedade deve ser diferenciada do medo, que é uma resposta similar a ela mas que dela se distingue por se referir a uma ameaça conhecida, externa, definida ou de origem não-conflituosa. A emoção causada por um perigo externo, real e concreto, não decorrente de um conflito interno (a rápida aproximação de um carro ao atravessarmos uma rua, p.ex.) difere do desconforto vago e crônico que podemos experimentar na iminência de conhecer pessoas novas ou fazer uma apresentação pública. é um estado patológico caracterizado por um sentimento de temor acompanhado por sinais somáticos de hiperatividade do sistema nervoso autônomo. O Ataque de Pânico "A característica essencial de um ataque de pânico é um período distinto de intenso medo e desconforto acompanhado por pelo menos 4 dos13 sintomas somáticos ou cognitivos abaixo relacionados. Tem um inicio súbito e aumenta rapidamente, atingindo um pico (em geral em 10 minutos ou menos), sendo, com freqüência, acompanhado de sentimento de perigo ou catástrofe iminente e um anseio por escapar." 37 Agorafobia "A agorafobia é constituída por um conjunto de medos de lugares públicos - especialmente quando o paciente está sozinho - como sair à rua, utilizar transportes públicos, ir a lugares muito freqüentados, que produzem uma interferência grave na vida diária. Além desse medo, podem somar-se alguns outros medos externos, com subir em elevadores, atravessar túneis, cruzar pontes, etc., bem como medos internos como a preocupação excessiva com sensações somáticas ou o medo intenso dos ataques de pânico e, inclusive, medos de interação social." (Cabalo,2003 :89) Tratamento O tratamento proposto foi a Psicoterapia Comportamental Centrada na Qualidade de Vida, resumida no Quadro 1 (abaixo): Quadro - Planejamento da Psicoterapia de MARIA O resultado foi a completa remissão dos sintomas da agorafobia com 15 sessões semanais (fase de tratamento) e 3 sessões realizadas a 30, 60 e 90 dias a contar da data da 15ª sessão. Portanto, a psicoterapia realizada atingiu os resultados esperados: o diagnóstico de Agorafobia se confirmou e foi tratado com sucesso, não tendo sido observado nenhum episódio até a 18ª sessão, data da alta definitiva. Conclusão Se deixarmos de lado os procedimentos técnicos propriamente ditos, para MARIA a vivência psicoterápica representou a possibilidade de adquirir novos modelos e /ou, aprender que seu Eu continha recursos próprios positivos e valores socialmente aceitos; reconhecer respostas proprioceptivas e passar a interpretá-las como respostas normais; vivenciar um modelo de aceitação incondicional - através da relação terapeuta-paciente - que não havia sido adequadamente internalizado na sua infância, tendo como provável principal fator a desestruturação de sua família de origem. Notamos que a postura do terapeuta como um consultor - e não como o detentor do saber que iria "salvar" a paciente dos seus males - foi de fundamental importância no caso ora descrito, principalmente para o sucesso alcançado. Publicado em 15/12/2006. Para referir: Maximino, M.R. in internet, disponível em www.marcosmaximino.psc.br |
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