Conferência Internacional sobre cuidados primários com a saúde, reunida em Alma-Ata, Cazaquistão, aos doze dias do mês de setembro de mil novecentos e setenta e oito, explicitou “a urgente necessidade de ação de todos os governos, de todos os que trabalham nos campos da Saúde e do desenvolvimento da comunidade mundial para promover a saúde de todos os povos do mundo”.
Produziu uma declaração onde se lê, no item III, que “a promoção e a proteção da saúde dos povos é essencial para o contínuo desenvolvimento econômico e social e contribui para a melhor qualidade de vida e para a paz mundial. Determinou, no item IV, que “é direito e dever dos povos participar individual e coletivamente no planejamento e na execução de seus cuidados com a saúde e definiu, no item VI, que “os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde, baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocados ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação”. Salientou que tais cuidados “fazem parte integrante tanto do sistema de saúde do país, do qual constituem a função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da comunidade”.(WHO,1978, grifos meus)
Mais adiante, em 1986, a Primeira Conferência Internacional sobre a Promoção da Saúde, realizada em Ottawa , emitiu uma carta dirigida à execução do objetivo "Saúde para Todos no Ano 2000".
Sabemos que, em se tratando de atenção primária em Saúde, a Medicina Comportamental, por ser um segmento da Saúde Mental, assume relevante papel, pois, é no seu terreno que floresce a consciência de quão importante é a prática de hábitos saudáveis na vida cotidiana os quais, em seu conjunto, determinarão se o indivíduo tem ou não tem um estilo de vida capaz de promover saúde para si, para os seus e para o meio-ambiente.
Partes integrantes da Medicina Comportamental, a Psicologia e Psiquiatria assumem papel central no tratamento dos transtornos mentais: cada uma destas especialidades tem seu campo de atuação, que se complementam e também se entrelaçam, numa zona mista: a psicoterapia.
Todas as várias abordagens psicoterapêuticas atualmente aceitas pelo conhecimento científico, colocaram, até 2000, foco na disfunção e não a saúde: tiveram como objetivo “combater” a “doença” mental. Assim fazendo, isto é, considerando as disforias como epifenômenos e, concomitantemente deixando de lado os sentimentos de felicidade, bom-humor, entusiasmo, alegria e autoestima, criam condições para intercorrências indesejáveis tais como deslocamento do sintoma, baixa aderência ao tratamento, dentre outras possíveis.
Dentre as várias psicoterapias validadas pelo conhecimento científico, as abordagens cognitivocomportamentais merecem ser destacadas porque tem eficácia cientificamente comprovada.
Dentro destas, duas modalidades,duas delas, a Terapia Racional-emotiva e Comportamental (TREC), criada por Albert Ellis em 1955 e a Terapia Cognitivo-comportamental (TCC) criada por Aaron Beck em1960, dão os fundamentos para todo o trabalho cl que desenvolvemos desde 1990.
A primeira é, ao mesmo tempo, “uma teoria de personalidade e um método de psicoterapia que, em sua forma mais geral, emprega, por razões práticas e teóricas, uma grande variedade de métodos afetivos, cognitivos, e comportamentais de mudança da personalidade [que] assemelha-se com outras formas de intervenção, como a terapia cognitiva de Beck, a terapia multimodal de Lazarus ou a Terapia de Modificação Cognitiva de Meichenbaum. Em sua forma mais enfatiza a reestruturação cognitiva ou o combate filosófico, de acordo com o modelo A – B – C – D , onde, ‘A’ seria o elemento ativador (activate), ‘B’ seria a crença pessoal (belief), ‘C’ as consequências (consequences) demonstradas pelos sentimentos e comportamentos pessoais e ‘D’ a desconstrução (disarm) da crença disfuncional anteriormente estabelecida” (Rangé, 2001).
A segunda, que começou a ser desenvolvida a partir das insatisfações de Beck com as formulações psicodinâmicas sobre a depressão, ao verificar que o conteúdo dos pensamentos e dos sonhos de pessoas deprimidas não seria decorrente de raiva dirigida ao Self, mas fruto de tendências pessoais para interpretar acontecimentos de forma negativa (Falcone, E. in Rangé, 2001). Esta modalidade trouxe grande contribuição na tanto na eficácia como na eficiência dos tratamentos dos transtornos afetivos, mentais e de personalidade (veja Eficácia das Terapias Cognitivo-comportamentais).
Em paralelo ao tratamento dos transtornos mentais, que é realizado pela clínica psiquiátrica e pela clínica psicológica, conceitos da Promoção à Saúde tais como “estilo de vida” e “qualidade de vida”, são importantes quesitos para Atenção Primária em saúde desde a década de 1970.
Naquela época, mesmo as psicoterapias já sabendo que, das três variáveis envolvidas para o aumento da qualidade e da expectativa de vida de uma população (1), uma delas é o estilo que as pessoas imprimem às suas vidas as terapias ainda mantinham o foco na doença, no sentido mais amplo da palavra. Ou seja, deixavam de lado virtudes, forças pessoais e afeto positivo dos indivíduos a elas submetidos.
Um importante avanço das psicoterapias na direção apontada em Alma-Ata (1978) e, posteriormente ratificada com a criação da Rede de Megapaíses para a Promoção da Saúde, em Genebra (1998), foi dado por Martin E. P. Seligman na primeira semana de janeiro de 1998, em Akumal, península de Yukatan, México.
Seligman (1998), pela primeira vez, chamou a atenção da Psicologia e da Psiquiatria para o importante papel das emoções positivas, seja no processo de cura de um indivíduo, seja no propósito dele melhorar aquilo que já está bom, mas, por alguma razão, deseja-se melhorar ainda mais ou desenvolver, pois estaria pouco desenvolvido. Apontou que o enfoque na saúde possibilita o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das virtudes de uma pessoa, desenvolvendo o que hoje é chamado Psicologia Positiva, que está fundamentada em três pilares: o estudo da emoção positiva, do caráter positivo e das instituições positivas. (Seligman, 2004:291-292). Esta proposta foi pelo autor denominada de Psicologia Positiva e, mais recentemente, adeptos desta abordagem a tem chamado de Psicologia da Saúde.
A fim de atingirmos o que foi disposto desde Alma-Ata,(1986) até Altamy (2008), nosso trabalho se vale de um conjunto de abordagens psicoterapêuticas já consagradas no meio científico (o grupo das psicoterapias cognitivo-comportamentais) e estabelece uma associação destas com os princípios das Psicologia Humanista de Carl Rogers e da Positiva de Martin Seligman.
Estes conceitos, quando aplicados ao formato multiaxial dos domínios que compõe a avaliação de Qualidade de Vida, nos permite chegar a uma síntese que alia à criatividade do sujeito, a eficiência das psicoterapias; que une o foco na saúde à consciência da importância de comportamentos saudáveis.
Se considerarmos a deterioração do globo terrestre: na mesma progressão em que a biosfera apresenta, cada vez mais sinais de deterioração irreversível (mudanças climáticas, por exemplo) ou inevitável (o crescimento demográfico devido à natividade e longevidade, como outro exemplo) mudanças estas previstas para curto prazo, e que ocorrem de forma irreversível, é inevitável o surgimento de problemas de saúde em humanos e em animais que já estão sendo capazes de provocar desequilíbrios vários e, por conseguinte, doenças várias. (vide Barbieri, 2009).
E lembrando Hegel, que achava impossível encontrar pressupostos atemporais, não podemos separar uma psicologia ou um pensamento de seu contexto histórico, sendo a razão e a “verdade” entidades dinâmicas; um processo progressivo.
Pois, nos dias atuais, já não basta tratar a doença e atingir os objetivos acima descritos sem que se leve em consideração o cuidado com os animais e com o planeta: pois o aquecimento global e a poluição – para citar apenas dois exemplos – já causam prejuízos imediatos. Variáveis como estas podem ser corretamente abordadas (ou corrigidas) se levarmos em consideração os conceitos presentes na definição dos domínios inerentes ao conceito “Qualidade de Vida” no seu sentido mais amplo.
E é na qualidade desta visão sintética e simplificadora que nossa contribuição pretende instrumentalizar seres humanos a fim de lidar correta e adequadamente com a velocidade das mudanças de paradigmas que a vida contemporânea nos impõe; buscar tornar o ser humano angustiado descrito por Tofler (2) no ser humano espontâneo imaginado por Moreno (3) e feliz por Seligman (4).
Acreditamos que assim procedendo, daremos uma singela para o atingimento do espírito de os princípios dispostos desde a Declaração de Alma-Ata, passando pela Carta de Ottawa, mais recentemente, na Conferência Internacional de Altamy, Cazaquistão,(2008) dedicada aos trinta anos da Declaração de Alma-Ata pela Organização Mundial de Saúde.
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(1) isto é, bons hábitos cotidianos, em japonês, ikigai, que significa “o que faz a vida valer a pena”. sem tradução literal para o português. (veja mais) (voltar)
(2)
Alvin Tofler considera que as sucessivas “ondas” de tecnologia quebram paradigmas do comportamento, o que gera certa confusão na hora das pessoas agirem (leia “A Terceira Onda” de Alvin Tofler).(voltar)
(3) Jacob Levi Moreno entendia que o ser humano saudável é naturalmente espontâneo, isto é, consegue responder adequadamente a uma nova situação ou cria uma nova resposta para uma situação antiga.(voltar)
(4) Martin E.P. Seligman postula a existência de um "piloto" genético, que faz com que os seres humanos sejam seres normalmente felizes, desde que estejam em equilíbrio homeostático, isto é, desde que tenham suas necessidades fisiológicas, psicológicas e sociais básicas satisfeitas. (voltar)
Publicado em agosto/2006 Atualizado em agosto/2010.